domingo, 30 de dezembro de 2012

ANO NOVO



CARTA DE ANO NOVO


Ano Novo é também a renovação de nossa oportunidade de aprender, trabalhar e servir.
O tempo, como paternal amigo, como que se reencarna no corpo do calendário, descerrando-nos horizontes mais claros para a necessária ascensão.
Lembra-te de que o ano em retorno é novo dia a convocar-te para execução de velhas promessas, que ainda não tiveste a coragem de cumprir.
Se tens algum inimigo, faze das horas renascer-te o caminho da reconciliação.
Se foste ofendido, perdoa, a fim de que o amor te clareie a estrada para a frente.
Se descansaste em demasia, volve ao arado de tuas obrigações e planta o bem com destemor para a colheita do povir.
Se a tristeza te requisita, esquece-a e procura a alegria serena da consciência feliz no dever bem cumprido.
Ano Novo! Novo Dia!
Sorrir para os que te feriram e busca harmonia com aqueles que te não entenderam até agora.
Recorda que há mais ignorância que maldade, em torno de teu destino.
Auxilia a acender alguma luz para quem passa ao teu lado, na inquietude da escuridão.
Não te desanimes, nem te desconsoles.
Cultiva o bom ânimo com os que te visitam, dominados pelo frio do desencanto ou da indiferença.
Não te esqueças de que Jesus jamais se desespera conosco e, como que oculto ao nosso lado, paciente e bondoso, repete-nos de hora a hora:
Ama e auxilia sempre. Ajuda aos outros, amparando a ti mesmo, porque se o dia volta amanhã, eu estou contigo, esperando pela doce alegria da porta aberta de teu coração.

VIDA E CAMINHO – EMMANUEL/FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

DOCE DE PIMENTA


*LIVRO DOCE DE PIMENTA

Grijalva Maracajá Henriques

Relendo o livro, na véspera do Natal de 2012, do DR. Mozart, o qual me fora ofertado pelo primo (por adoção), o renomado também médico Napoleão Tavares Neves, de Barbalha-CE, nos Cariris Novos, no dia 6/11/1995, encontrei essa perola abaixo transcrita. (Outrossim, como não achei nada que proibisse sua divulgação ai vai). Diversas vezes ouvi ser recitada pelo cunhado Teodomiro Sampaio Neves de Jardim – Ceará, quando sua verve ataca e nos delicia a noite toda com seus causos engraçados, imitando tanto a voz como a fisionomia do envolvido.

TILDINHA**

Zuza Ferreira, de 50 anos de idade, vivia há dois anos, no cabaré do Zé Alves, em Crato, com a Tildinha, uma loura e bonita mulher dos seus trinta anos de idade.
Certa noite, ao chegar no salão do prostíbulo, surpreendeu a querida amante sentada e abraçada com um viajante de drogas, ao lado de outras com os seus respectivos “companheiros”, em torno de uma grande mesa, onde se entregavam à mais desenfreada libação.
Zuza, sob forte impacto, retirou-se possesso! No dia seguinte trouxe este soneto em que ridicularizava a sua amante.




TILDINHA – RELES PROSTITUTA.


Tu nasceste, mulher, para ser puta.
Mas, puta da ralé, não é assim?!
Velha e não vês que já estás no fim...
Por que não deixas essa insana luta?

            Essa carcaça flácida e corrupta,
            Embuçada de lama e de carmim,
Bem demonstra que és a prostituta
Que o lupanar expulsa por ser ruim.

Vou te dar um conselho, não te ofendas:
- Nessa idade em que muitas fazem rendas,
E o mundo as despreza, não as quer,

                        Não maldigas a sorte que te guia,
Que não sirvas p’ra Filha de Maria,
Procura engomar p’ra outra mulher!


Um amigo do poeta vem de Crato, no dia seguinte, a Juazeiro, conta-lhe o fato e lhe mostra o soneto do Zuza, dizendo: Mozart, tive pena da Tildinha, ridicularizada pelas companheiras, chorava inconsolável.
Penalizado, o poeta escreveu o soneto abaixo, entregou ao amigo e disse-lhe: - Leve para Tildinha:

RESPOSTA AO ZUZA:

Disseste que eu nasci para ser puta!
Desdenhaste da minha pouca sorte!
Pois, Zuza, serei puta até a morte
Mas um macho qual tu não me desfruta.

É que entre as pernas, Deus deu-me esta gruta,
Ou fenda, ou racha, ou lasca, ou talho, ou corte,
Para um tipo viril, esbelto e forte
Que preze esta mulher que achas corrupta.


Quero ser puta, meretriz, fubana!
E hei de levar o meu destino cru
Vendendo a minha pobre carne humana.

Menos a um macho escroto como tu!
Fresco, impotente, sem tesão, sacana,
Que vive dando a todo mundo o cu!

Zuza ao tomara conhecimento desse soneto, revoltado com a Tildinha, que distribuiu várias cópias às suas companheiras, tentou agredi-la à peixeira, sendo defendida por vários indivíduos que se encontravam no cabaré.

A história ainda continuou, com troca de vários bilhetes, desaforados quando os dois poetas se encontraram nos bares da vida.
*Do livro Doce de pimenta – Mozart Cardoso de Alencar 2ª. Edição – Brasília – DF 1994 – p81/92.

**Transcrito ipsis litteris.




sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

CAPETA


CAPETA*

João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)


            Desde novinho que o burrico do seu Atílio recebeu o nome de Capeta-Peludinho; e esperto como era a coisa pegou bem. Era mesmo um jumentinho engraçado e diferente dos outros e a melhor distração para os filhos de seu Atílio. Também  os coitados não tinham outra coisa para brincar, além dos cavalinhos de pau e os bezerros e vacas de ossos. Menino pobre é assim. Mas quando Capeta nasceu foi um mundo novo para eles. E os meninos que possuíam brinquedos comprados nas lojas, tinham inveja dos filhos de seu Atílio. E pediam aos seus pais que comprassem um bichinho daquele.
O sítio de seu Atílio, bem pertinho da rua, enchia-se da meninada pra ver Capeta de perto, alisar-lhe o pêlo cinzento e adoravam vê-lo mamar. O Capeta foi crescendo mimado, ouvindo as conversas da garotada já aprendendo muita coisa que ia guardando na memória. Com aqueles  agrados todos, a mãe de Capeta tinha medo de que lhes carregassem o filho. Tinha vontade de ir para longe, meter-se pelas caatingas a fora, para onde ninguém os visse. Seria a pior coisa que lhe poderia acontecer. Mas, tinha fé no seu Bizu, que o havia de proteger. Já o pai nem chegou a conhecê-lo, foi vendido como um traste qualquer e lá se foi. Deixaram-na só, quase as vésperas do bichinho nascer. Bicho é bicho. E gente não tem pena de bicho. Roxinho saiu daqui com peso no lombo e furado de espora. Nem ao menos teve tempo de se despedir. E ninguém sabe onde anda e nem advinha que o filho nasceu e é esse mimo de jerico.
            Capeta cresceu e teve sorte de ainda estar ali pertinho dela, já com uma irmãzinha igual a ele. Só que o pai era outro.
Capeta não era gente, mas sabia e imaginava muita coisa. Atendia pelo nome, não dava coice, carregava quem lhe punha nas costas, marcava as horas certinhas e nunca havia dado desgosto. Vida de pobre, mas não se maldizia. Capeta, entretanto, como bicho que se preza, não gostava de cachorro de casa. O lamparina era metido, cheio de intimidade, metia-se de casa adentro e no meio das pessoas como se fizesse parte da família. Chegava ao ponto de saltar portas e janelas, numa intimidade suja. Era bicho inimigo dos outros bichos. Latia com qualquer um e mordia quando podia. Capeta não podia falar, mas tinha vontade de dizer ao seu Atílio. - Não vou com a cara desse seu cachorro. E como é seu Atílio, como o senhor deixa esse vira-lata meter-se de casa adentro, enchendo tudo de pulgas e outras mazelas. Essa história de ser amigo do homem, seu Atílio, é conversa fiada. Já tem mordido crianças e até gente grande. E é arriscado matar alguém se for atacado de moléstia dos cachorros.
 E certo dia a raiva de Capeta aumentou. Estava dormindo e sonhando. Um sonho maravilhoso.  O sertão naquele ano estava roído pela seca. Não havia o que bicho comer. E a fome emagrecia o sertão. Pois bem, Capeta deitou-se pensando na bicharada varando as caatingas e catando alguma palhinha seca para enganar a fome.  Veio então o seu  sonho bom. O sertão todo chovido, os campos verdejantes até os confins do horizonte. Todos os bichos gordos, luzidios, ora deitados, ora passeando despreocupado, como se estivessem no Paraíso. Capeta com sua mãezinha e a mana, à sombra de uma árvore copada e coberta de flores, exalando um cheiro gostoso. E chamava-lhe a atenção, o fato de não ter bicho brabos que os perseguissem. A cachorrada havia morrido de doença feia. Era uma tranqüilidade. E Capeta perguntava a si mesmo porque não era sempre assim. O mundo verde, florado os pássaros cantando, os besouros zumbindo, sempre aquela coisa agradável. Uma vida sem cachorro...  Capeta deliciava-se com a beleza do sertão molhado e alegre, quando despertou com as batidas do fiota do cachorro, bem em cima dele. Levantou-se de supetão. Investiu contra  ele preparado para esmagá-lo. Mas o Lamparina pulou a janela e enfiou-se dentro  de casa. - Capeta te ensinará. Ainda pego este safado, tiro-lhe o sarro. Onde já se viu um pulguento daquele vir interromper o sono de um animal superior como eu. Um dia acerto-lhe um bom par de coices. Mas a culpa é do homem mesmo, que mete dentro de casa uma raça que só sabe latir e morder. Não tem outra serventia. E ainda uns são piores que outros como é esse Lamparina que até os ovos das galinhas anda papando às  escondidas. Também não sei onde andam as cascavéis dessa terra que não lhe dão uma pregada. Já imaginou acordar um jumento, o bichinho que carregou Nosso Senhor, em pleno sonho. Só mesmo um cachorro. O mundo, não vai se acabar antes que eu veja limpo, dessa cachorrada.
            Capeta esperava, com a sua infinita paciência, a vez da desforra. Havia de pegar o Lamparina de frente. Mas antes disso, cachorro é sempre cachorro e o vira-lata, foi pego de surpresa com a boca na botija. Ia levando na dentuça um  pintinho de estimação. Dona Marluce descobriu o manhoso sem esperar... - Ah! É esse leprente que está dando sumiço de pintos! Vai me pagar o novo e o velho. Chega Atílio. E Atílio chegou.
            Olha homem de Deus. Sabes quem está acabando com os pintos? O Lamparina. Procura dar fim a esse excomungado, esse leprente. Criar com tanto cuidado os bichinhos pra esse peste comer.
            Capeta ouvia tudo e esperava por seu Atílio. Achava que dessa vez o mijo iria correr. Seu Atílio enfiou-se casa adentro. E logo retornou com a espingarda entupida de pólvora e chumbo. Capeta achou que assim também era demais. Procurou defender Lamparina, correndo atrás do safadório. Dona Marluce interferiu - não Atílio, matar não, basta dar-lhe uma boa sova. Caso não se conserte, então dá fim nele.
            Atílio foi disfarçadamente e apanhou o Lamparina pela perna. O coitado mijou-se todo da sova que levou. Capeta gostou. Estava pago. Lamparina saiu desconfiado e meteu-se lá por trás da casa com o rabo entre as pernas. Capeta fez também uma volta e foi vê-lo. Estava deitado, com a cara no chão e os olhos correndo lágrimas. Mas iria vingar-se.
            Pelo menos isso. O Capeta mijou na tigela de angu colocada à sombra do tamarindeiro para a ceia do Lamparina.
- Para que seu Atílio bateu no coitado. Não foi ele próprio que lhe encheu de intimidade. Cachorro na sala, cachorro debaixo da mesa, cachorro na camarinha, cachorro no meio do povo como se fosse gente. Cachorro sem respeito.
Um sonho tão bom, o mundo todo verde, coberto de flores, nem quero mais pensar. Quebra seu Atílio, quebra os ossos desse safado.
 Agora está aí, o chão todo pelado, tudo seco e eu, Capeta, com fome e com sede. Ah! Miserável... Cachorro fio de uma luvana... Vai acordar Capeta e comer mais um pintinho de dona Marluce...

*O conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

DOIDICE



DOIDICE*

João Henriques da Silva
(In Memoriam – 20/09/1901 – 16/04/2003)


Dr. Sabino, por causa de mulher ficou com o juízo fraco. Antes disso, era um sujeito completamente normal. Desejava as mulheres, mas, não tinha coragem de abordá-las, até que num dia apaixonou-se desesperadamente por uma mulher casada que não lhe saia do juízo. Moça, bonita e, sobretudo honesta. Além de não lhe dar a menor confiança, Sabino tinha medo do marido a ponto de não querer nem vê-lo. Assustava-se até quando ouvia pronunciar o seu nome.
            Fincava-se nas esquinas para vê-la passar. E como ficava só na imaginação, os pensamentos foram se acumulando no juízo e baralhou tudo. Abestalhado, perdeu a noção do tempo e a família preocupada mandou interna-lo para tratamento. Mas não melhorava, mesmo porque desconheciam a causa primordial. Como não se recuperava, mandaram-no de volta. Sabino não era propriamente um doido. Apenas um abilolado por paixão recolhida.
 Depois da volta, os amigos encarregaram-se de fazê-lo mudar de convivência e desconfiado de que poderia ser algum problema íntimo, algum vício depressivo, resolveu levá-lo a uma pensão de mulheres e fazê-lo sair com uma. E depois de uma demora excessiva, Sabino apareceu calmo e tranqüilo sem qualquer sinal de perturbação mental. Lúcido, lúcido, rizonho e gratificado. Fez questão de saldar a conta, não permitindo que alguém enfiasse a mão no bolso. – Esta não, a despesa é exclusivamente minha. Vocês me ensinaram a viver. Pois não foi, companheiros. Andava metido no inferno de uma paixão e, agora, estou flutuando num lago azul no meio dos cisnes. Um santo remédio.
 Mas o diabo é que Sabino pensou que teria de tomar todo o remédio do laboratório da pensão de D. Eva. E enfincou-se nele direto. E como não era lá muito forte, foi enfraquecendo dia a dia, até quer birutou de novo. Fiou-se apenas no gosto do remédio sem cuidar de seus efeitos colaterais. E o pior é que não enjoava. Mudava de frasco e achava que cada um era melhor do que o outro. De tanto usá-lo caiu numa depressão tal que já não tinha mais força para beber.
E certo dia Sabino desapareceu. Foi encontrá-lo em casa, espichado numa cama, pálido, magro, desiludido.
            - O que é isto, Sabino!
            - Doente, muito doente, completamente leso.
            - Foi alguma comida?
            - Foi e não foi, pois tomei como remédio. Creio que exagerei na dosagem. Era um frasco por dia e até dois e três.
            - E qual?
            - Saúde da mulher, vidro grande. Mas o bicho caiu na fraqueza. Também o diabo desses laboratórios fabrica um remédio saboroso de mais, que da vontade de engolir o frasco. Queixo-me também da D. Eva. Todos os dias me apresentavam com embalagens diferentes. E assim, em vez de me fortificar, caí nessa leseira que nem me deixa ficar em pé.
            - Pois muda de regime, companheiro. Não vás mais a farmácia de D. Eva. Ela negocia com esses artigos e quer é faturar.
            - Mas, como, se já estou viciado até a raiz.
            - Pois isto é um vício perigoso. Estás vendo o resultado. Caso voltes ou escapes desta, passa a tomar de 15 em 15 dias e olhe lá! O remédio que estás tomando é mesmo que sanguessuga. Chupa o sangue e todas as vitaminas.
            - Então foi isto que aconteceu. Também fui me confiar na D. Eva. Nem me lembrei que não era médica. Mas é engraçado. Nas primeiras garrafadinhas a reação foi positiva. Eu acho que trocaram o rótulo, ou o conteúdo e por isto passou a fazer efeito negativo. Mulher é uma coisa misteriosa. Cura e mata, dependendo da dosagem. E sabem de uma coisa, todo remédio deveria ser amargo.
            Sabino, aos poucos se recuperou e percebeu que deveria ficar no meio termo. Ser cauteloso. Nada demais, nada de menos. Os amigos, então o aconselharam a casar-se, ter um lar próprio e uma companheira ao seu lado.
            - Quem, eu. Deus que me livre. Basta ao meu lado uma garrafa de remédio. Bebo em vinte e quatro horas... E cairei nesta novamente.
            - Olha, casa-te com uma mulher feia, sem atrativos. Assim não excederás.
            - Assim, não. Passaria a tomar um purgativo. Remédio que pelo menos tenha um bom rótulo. Tenho alergia à mulher feia. Aliás, quem as fez, ou tinha muito mau gosto ou era burro e perverso. Feiura é um castigo. E por que castigar uma mulher. Isto não se irá entender nunca, nunca. Deve ter sido um péssimo pedreiro, sem imaginação. Ruindade também, porque não havia justificativa honesta para modelar feiura  Quanto não sofre uma mulher feia, diante das graciosas. Eu, que sou um boboca, não teria cometido semelhante barbaridade. Já pensaram se o mundo fosse feito só de mulheres bonitas e homens fortes. Mas não. A engenharia desses fabricantes de gente chega ao cúmulo de mandar para o mundo, um desmilinguido de minha marca. Da nisto. Fraco, meio abilolado, a fazer besteiras à vida toda. Se o material não prestava, atirasse no lixo e não aproveita-lo para engendra uma peça desparafusada como eu e tantos outros que andam por aí a sofrer amargas desilusões. Quando o corpo é fraco, a mente também o é. E fazem isto com, a maior tranqüilidade, como se estivessem fazendo uma obrar prima...
            - Também não é tanto assim não. Praticamente não existem mulheres feias. Deus fez mulheres para todos os gostos. Quem ama o feio bonito lhe parece. É um velho conceito. Há tanta gente casada com mulher feia e vive tão feliz. Além disso, é o tipo de mulher para homem ciumento. Pode deixá-la em casa, solta-la na rua, sem perigo de ser atraída. Vai e volta intacta...
            - Mas, mesmo assim, há exceções. Olha aí a D. F... Cara de bugre, mas o corpo é um desafio e tem pintado o diabo.
            - Mas isto é um caso ou outro e mesmo assim o marido não acredita. Considera impossível. É conversa do povo...
            - De qualquer forma, mulher somente bonita.
            - E se se bandear. Todo mundo anda de olho nela. E há muito sujeito atrevido...
            - Comigo é na dureza. Ou anda na linha ou irei para a cadeia.
            - Ora, quando vier, a saber, meu Deus, já estará ornamentado...
            - Sei que irei morrer muito cedo. O veneno das mulheres acabará comigo. São umas sanguessugas. Não há sangue que chegue.
            - Morrer nada, Sabino. Mulher nem tem veneno, nem mata ninguém. A gente é que morrer por gosto, pelo menos de paixão. E o remédio é não se apaixonar. Cria juízo, modera o rojão e terás vida longa.
            - Sabes de uma coisa curta e certa. Não irei mais atrás desses demônios. Já estou quase um frasco vazio. Só tem de mim a casca. E foram elas...
           
Em 23.7.86 (1986)
*O conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.


           




domingo, 16 de dezembro de 2012

ANO DE MARTE





2013 O ANO DE MARTE
Grijalva Maracajá Henriques*

O primeiro dia do ano de 2013 começa numa terça-feira. Segundo o Lunário e Prognóstico Perpétuo de Jeronymo Cortez, tradução de Antonio Coutinho, diz o seguinte para este ano. (ipsis litteris).





PROGNOSTICAÇÃO DO PLANETA MARTE



“ O dia d’este planeta é terça-feira; sua hora a primeira e oitava. O anno que entrar d’este dia, o inverno será mui frio, chuvoso, escuro, com muitas neves. A primavera será humida; o estio quente; o outono sêcco. No mar haverá infortúnios, tempestades e naufragios. Mostra que haverá carestia de trigo e o mesmo denota nos mais grãos miúdos. De mel e azeite mediania; os legumes serão muitos, o vinho pouco, e medianamente fructas. De gado miúdo morrerá muito pela abundancia de sangue e muito calor, que reinará n’elle. Denota este planeta enfermidades e morte no sexo feminino, e denota algumas mortes repentinas e que algumas pessoas ilustres e grandes vitam cum morte commutabunt. E finalmente haverá questões e contendas entres os tyrannos.”
Vamos esperar para ver se tudo acontece conforme os cálculos feitos em 1594 pelo autor do consagrado Lunário, em todo o mundo, desde aqueles tempos. Cada qual faça suas deduções, de quem vai desaparecer (das mulheres) e as lutas entre os ambiciosos que tentam açambarcar os poderes pela força, no mundo interiro.
Pesquisa feita:
Lunario e prognostico perpetuo para todos os reinos e pronvincias por Jeronymo Cortes, Valenciano – Lello & irmãos - Editores rua das carmelitas, 144 Porto.
*O autor é historiador e pesquisador.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

ADELAIDE


A D E L A I D E*

João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

             Adelaide ficou sem mãe no dia que nasceu e foi criada por uma tia viúva que não tivera filhos. Dois anos depois o pai casou-se e Adelaide recebeu assim, uma madrasta que para ser agradável ao marido, pretendeu reavê-la, sob mil promessas de que adorava crianças e de que filha criada por tia seria mimada demais, e terminaria perdendo o amor ao pai.
            Além disso, a menina deveria estar dando trabalho à cunhada sem mais motivo. Mariano acreditou na sinceridade da esposa e largou-se para a casa da irmã com o propósito de trazer Adelaide para sua companhia. Não havia mais razão para deixa-la com aquela preocupação, quando poderia ficar aliviada da tamanha responsabilidade. Adorava a filha e deseja tê-la pertinho de si.  
            Dona Lucimar fez dura oposição e de forma nenhuma largaria Adelaide, sua única e boa companhia. Não que lhe desse, naturalmente, qualquer assistência, mas pela afetividade que ligava a pequena Adelaide.
            De outro lado, explicou a Cidrônio, seu irmão, que era muito raro uma madrasta ter amor aos enteados, principalmente a partir do nascimento do primeiro filho. E não queria que Adelaide viesse a sofrer ingratidões e ela própria viesse a ser motivo de discórdia entre o casal, o que era muito comum, em face de tratamento desigual; enteada e filho legítimo.
            - Afora isto, Cidrônio, Adelaide está aqui onde poderás vê-la a qualquer momento e estou criando e educando como tua filha. Não a quero tomar e creio que o futuro dela é mais auspicioso ficando onde está.
            - É verdade, mana, mas não quero desencantar Almira que não fala noutra coisa e irá pensar que não confio nela.
- Olha Cidrônio, são essas santinhas mesmo que se relavam mais tarde as piores madrastas. Não te dou Adelaide.
            - Mas ela é minha filha e quero tê-la comigo, embora sem saber como te agradecer tudo quanto fizeste até hoje por Adelaide, mas não tenho alternativa. E estou certo que estou a fazer-te um beneficio tirando-te este peso.
            - Olha Cidrônio, estás muito enganado comigo e com o teu ato. Adelaide faz parte da minha vida, dos meus dias, horas e minutos. Será que não tem sensibilidade, não compreende que isto é um capricho de tua mulher, ou talvez uma artimanha. Sou eu a mãe que Adelaide conhece e é ela a filha que tenho. Sou tua irmã, vivo só e tu tens uma companheira. Vamos fazer um teste. Pergunta a Adelaide de quem ela gosta mais. De mim ou de ti, se quer ir ou não. E ela então ficará com quem mais ela dedicar afeição.
            - Não, mana, vim para levá-la e é o que vou fazer. Já te disse que não desejo contrariar Almira que me tem sido tão boa e carinhosa.
- Quer dizer, então, que irá levá-la à força? Arrancá-la dos meus braços e de meu coração. Não compreendo como me fazes isto. Levarás a força e para sofrer somente. Não te peço mais nada. Faça o que fizeres, mas deixarás de ser meu irmão, pelo menos por muito tempo. Jamais pensei que esse amor por Almira, fosse maior do que o amor por tua irmã e tua filha. Vá leve e não me dês mais notícias. Tomarei outra criança para criar. Não quero me sentir mais tão sozinha quanto antes. Espero que não te arrependas e nem faças tua filhinha sofrer nas mãos de tua santa mulherzinha, do coração.
            Tenho mais experiência da vida do que tu. Conheço as voltas que o mundo dá e as curvas dos caminhos da vida. Já vi muito bem o que é uma madrasta com filhos. Não divide o pão, nem os carinhos igualmente. E tenho pena de ti e muito mais deste anjinho já há mais de dois anos que me chama de mãe. Não quero vê-la sair. Também não irei juntar o que lhe pertence. Vai, entra pega tudo que é dela, coloca em sua malinha. Só não levarás o amor que tenho por Adelaide, nem as minhas saudades.
            Isso ficará comigo. Deverias conhecer melhor a raça de tua mulher e esperar mais para conhecê-la. Mas vai, vai-te embora, antes que aumente o meu desespero. E esqueça tua mana Lucimar, aquela que tomou nas mãos Adelaide na hora que ela viu a luz do dia e acariciou e amou até hoje. Sabes que não tive filhos e que tanto queria. Mas não entendes nada de amor maternal. Não me martirizes mais. Pega esta inocente que está aqui agarradinha comigo e corre com ela para os braços de sua madrasta, egoísta e quem sabe o que mais.
            Cidrônio baixou a cabeça como se estivesse pensando as escondidas, e de repente, entesou-se, tomou a filha nos braços, acariciou-a, beijou-a e foi de volta sozinho. Sabia que, em casa, encontraria uma tempestade, tais as recomendações que lhe fizera a mulher.
            Não era para voltar sem Adelaide. E de certa forma, a recomendação havia sido uma ordem. Não se casara para brincadeira. Haviam de fazer o que ela queria e que se pensasse fazer. Cidrônio, durante toda a volta reunia coragem e desculpa para justificar o fracasso de sua ida a Santa Clara.
            Era um apaixonado pela mulher e não queria sensibilizá-la. O caminho foi encurtando, encurtando e quando menos pensou estava a porta de casa, sem Adelaide e sem uma explicação satisfatória. A mulher avistou-o ao longe e já antegozava a chegada da menina.
            Mas à medida que Cidrônio se aproximava ia esfriando. Não via a menina. E as veias do pescoço foram engrossando, engrossando como se nelas estivesse concentrada sua decepção e sua raiva.
            Cidrônio, nem tivera tempo de se apear do cavalo e até parecia não ter forças para isso. Estava sucumbindo.
            - Cadê a menina, Cidrônio?
             - Que menina?
            Estava tão atordoado que nem sabia o que dizer. Foi se apeando lentamente e procurando articular justificativa.
- Que espécie de homem é você, que vai buscar a própria filha e volta sem a menina. É incrível. Esperava com tanta ansiedade e me chega de mão abanando. Será que eu tenho que ir buscá-la. Aliás, deveria ter ido.
            - Olha Almira, foi minha irmã que a criou deste o primeiro dia e não pode se separar dela. - Lamentou-se de uma maneira de doer até os ossos. - Vivia sozinha, criou amor pela menina e então resolvi deixa-la lá.
            - Sim. Eu então, que posso ficar sem ela. Antes de me casar já pensava na menina. Tê-la com a gente, alegrando a casa. Também fui logo me casar com um viúvo sentimental. Quem, afinal, é o pai de Adelaide. És ou não tu, Cidrônio?
            Cidrônio foi se arrependendo aos poucos até que se indignou com aquele “fui me casar com um viúvo”. Havia ido além de sua tolerância de marido.
            - Pois é. Deixei-a lá e não irei mais tentar trazê-la. E fique logo bem claro que nesta casa quem dá a ultima palavra é o viúvo com quem você se casou. A filha é minha, e está otimamente em casa da minha irmã. Deixei-a amarrada na saia dela como estivesse adivinhando ou entendo que queria tirá-la de lá. Espero que você tenha filhos e os crie também. Quanto a minha mana, ficara criando Adelaide. E sabe da última, vamos por um ponto final no assunto.
            - Mas...
            - Mas, coisa nenhuma. Você vai ver quanto vale um viúvo. Gosto de combinar as coisas, mas não aceito imposições. Tome nota. E depois quem sabe se você se daria bem com minha filha. Ciúmes da primeira mulher, inexperiência com crianças e talvez desarmonia entre nós. Não suportaria ver minha filha magoada por qualquer forma e ela está muito feliz em companhia da minha irmã e lá há de ficar. Cuidaremos de nossos filhos quando aparecerem.
            - E quem foi que lhe disse que quero ter filhos. Prefiro não os ter.
            - Ah! É assim. E então porque queria minha Adelaide. Algum capricho seu apenas. Pois olha Almira, creio que um casal sem filhos é como uma árvore sem flores sem frutos. Não era isto que pensava de você quando noivamos e nos casamos. Desejava, sim, um lar com alegria e a graça de filhos, enchendo a casa de alegria e estreitando cada vez mais os nossos laços matrimoniais.
            Francamente que estou estranhando você, aquela moça que sorria para mim e me enchia de doces esperanças. Chego a não acreditar no que você diz. Talvez seja simplesmente uma forma de manifestação de revolta por não ter sido atendida. Será que estou certo?
            Não adianta simulação para meu lado, e muitas menos atitudes caprichosas. Será que teremos de voltar donde vimos. Cada um para seu lado. Quem não quer ter filhos não se casa e por certo desconhece o que é o amor.
            Os filhos são uns traços de união entre os pais. Um pouco de vida de cada um. Num lar com filhos não há tédio, nem solidão. Sem filhos é como ponto final na existência de um casal, uma vida sem perspectiva e sem horizontes. Se assim pensas e desejas, até quando durará nossa união?
            - Será que não percebeu que um casal sem filhos não tem preocupações, dorme tranqüilo, viaja, passeia, diverte-se livremente. Sai quando quer, volta quando entende de voltar. E os doze meses de gravidez, a mulher deformada, com aquele barrigão pelos ares, pesadona, enjoada. O homem fica por longe, achando até graça, com ótimo apetite, zombando do tempo.
            - São os preparativos para ser mãe, a coisa mais bela do mundo. É como uma rosa que vai desabrochar ao amanhecer. Agora se você não tem essas sensibilidades, Deus que a ampare. E você já pensou uma velhice sem o carinho de filhos. Envelhecer sem ter quem nos pegue na mão, sem a doçura dos netos chamando vovô e vovó. A solidão de um envelhecer dentro de uma casa vazia. Francamente, Almira, você me espanta e desalenta. Parece-me um galho seco á margem de um caminho sem sombra, com uma ave agourenta nela pousada. Vou repetir a você uma pergunta, Almira. Por que queria Adelaide aqui. O que pretendia fazer?
            - Pensava, apenas em ser agradável a você. Nada mais. Poderia ter sido um dos motivos do nosso casamento. Mas não iria tratar com desprezo a menina.
            - É bem certo o velho ditado que Deus escreve certo por linhas tortas. Minha irmã tinha razão. Não pensei que ela fosse tão arguta. Livrou minha filha dessa falta de amor maternal de uma mulher sombria como você é. Mas vou prevenir você, Almira. Iremos ter filhos e vou ensiná-la a ser mãe. Vá se preparando.
            - Não é mais necessário. Já estou grávida. Foi um descuido meu certamente. E na verdade já começo a sentir mudanças de comportamento. Começo a sentir desejo de ter filho e certo amor por essa frutinha verde de nosso amor.
            - E porque não me dizia nada.
- Só e só para certificar-me se era real o que começava a sentir. Achava que não seria possível conforma-me em ser mãe, passar por tudo aquilo que já citei. Andar de barrigão empinado durante seis ou mais meses, e ter que enfrentar as dores e o medo do parto. Mas, em vez de sentir pavor, passei a sentir-me mais amorosa. Uma coisa esquisita que se passa na gente. E percebi, então, que minha arrogância, não resistia à doçura de ter um filho. Deixa, pois, Adelaide com tua irmã, que não teve filhos e tem muito amor para dar.
            Mas vou te pedir uma coisa: Dá-me um filho todo ano... O amor de mãe supera quaisquer sacrifícios. O amor que se faz da gente mãe, ensina a amar os filhos. Desde o momento que comecei a sentir dentro de mim a frutazinha gerada pelo nosso amor, comecei também a perceber que filhos são mesmo as cordas do coração. Verificou-se uma mudança radical em minhas convicções. Parece até que se espiritualizaram. Não me era mais possível fingir, tentar ser diferente das outras mulheres.
            - Mas, será mesmo para crer nessa mudança?
            - Verás quando vier o nosso primeiro filho. Sinto que ele me aponta o verdadeiro caminho para ser mãe. Tenho já pelo filhinho que está crescendo e vivendo dentro de mim, uma ternura incomparável.
            Almira, entretanto, desejava testar os seus sentimentos maternais. E foi visitar a enteada, uma quase filha. Querer bem a uma criança era como querer bem a todas elas. No entanto, constatou que aquela deveria ser diferente das outras, pois não lhe sensibilizou e, viu nela o amor de Cidrônio à outra mulher, e em quem ele deveria ainda pensar e ter suas saudades. Era exatamente como pensava o marido. Mas embeveceu-se o amor que a menina dedicava a sua segunda mãe. Teria cometido o seu maior erro se houvesse tirado daquele aconchego maternal.
            Adelaide, por sua vez, a via como um objeto estranho e talvez indesejável. Não mostrava qualquer simpatia pela madrasta. Por mais que Almira procurasse acariciá-la, mas ela se retraia.
            O pai observava aquela tentativa de relacionamento e, então, não tinha mais duvida de que a irmã teve razão em resistir. E se aquela aversão espontânea, natural, de Adelaide fosse resultado do influxo puramente pessoal de Almira.
            E se ela estivesse simplesmente fingindo com aquela encenação de querer muitos filhos e que na realidade fosse uma revoltada por estar imprevistamente grávida. Quem estava no intimo dela para saber?
            E os meses o tempo levou e Almira entregou as mãos da parteira, um garotão fornido e que era o retrato do pai. Almira dizia que queria e havia de ser uma menina. Como isto já mostrou cara de gavião de rapina. Não deixava de ser uma mulher caprichosa e egoísta.
            Preparava enxoval para menina, pois haveria de ser. Ela o queria. Amamentava o filho sem ódio e sem raiva, mas sempre pensando que deveria ter sido como ela desejava uma meninazinha de olhos verdes e parecida com a mãe.
            - Este aí é a marca de um viúvo, do viúvo com quem casas-te. E se brincares só sairá homem.
O pimpolho quando pegava o seio era para tirar a última gota. Agarrava-se ao peito, como um bezerro faminto. E chorava por mais.
            - Olha. Não aguento Cidrônio, esse teu filho. Guloso e ligeiro, capaz de sugar-me até o sangue. Se fosse uma menina seria moderada e mais delicada com a mãe. Este só tem jeito no feijão com farinha e carne de sol, ou no cuscuz com costelas de bode assada. Se aparecer outro bichinho deste terei que dar de mamar numa vaca holandesa.
            - É raça de viúvo Almira. Raça de elefante. Tome muito café que dizem que é ótimo para aumentar o leite.
            No ano seguinte a barriga de Almira era dobrada e ele tinha receio quer fosse um parto duplo, duas meninas. Segundo a experiência da parteira, não havia dúvida de que seria uma menina. E depois de um ano e dois meses, chamaram, a parteira. E foi a surpresa. Nasceram dois.
            - Duas meninas, não é minha comadre. Como me sinto feliz e realizada.
            - Sim, minha comadre. A parteira queria evitar que a comadre viesse à quebra o resguardo.
            - Está vendo ai, Cidrônio. Duas meninas. Tirei minha desforra.
            Cidrônio manteve a ilusão. - É ganhaste dessa vez. Estou contente. Desejava também que fosse uma garotinha. Vieram duas melhor ainda...
            - Quero ver minhas filhas, comadre.
            - Pois não.
           - Que pena, tem feições de homem, pelo que vejo, puxaram ao pai. Antes tivesse nascido homens, com essas carinhas, de macho. Era melhor. 
            - As afeições vão mudar minha comadre. Menino novo é assim mesmo. Os dois sempre empacotadinhos não permitia que Almira visse o sexo. E quando pós para mamar, eram mais gulosos do que o primeiro. Chegava a dar focinhada no seio. E Almira achava que eram mais agressivos que o menino. E lamentava-se de ter tanto desejado meninas e apareceram àquelas gêmeas de cara grossas, chamboqueironas, que jamais seriam duas mocinhas bonitas.
            No terceiro dia, foi assistir o banho das duas e teve raiva e alegria ao mesmo tempo. Descobriu a tramenha. Eram dois correiudos iguais ao primeiro. Estava justificada a ganância nas mamadas e aquelas caras de machos. Era melhor assim. Raiva por ter sido castigada e enganada. Zangou-se com a parteira que lhe havia mentido.
            - Nada não, minha comadre. Não queria que quebrasse o resguardo...
            - E o que vou fazer com esses três jumentinhos novos. Irão me devorar. Quero ver o Cidrônio que também me enganou.
           - É mulher, isso acontece com quem se casa com viúvo... E não são tão engraçadinhos. Alem disso não tem fastio. Adoro vê-los mamar. Toma muito café forte para não faltar leite. Da próxima vez serão duas mocinhas de teus sonhos, com duas carinhas de anjo.     
- Vou dar carne de charque e bacalhau a estas duas onças. Não há leite que chegue e olha como já estão os meus seios quando acabam de mamar. Parecem duas mochilas vazias. Vou ficar deformada. Pelo menos bota cabresto nestes dois jeguezinhos. E vou te dizer uma coisa curta e certa. Não chegarás mais perto de mim, para não nascerem mais dois cabeludos destes. Olha mesmo se isto é cara de gente...
           - É o teu retrato, criatura!...
            - Tu me pagarás.
         Não se tocaram durante meses e dias. Almira era caprichosa. Mas, arrependida chegou-se para perto:
            - Cidrônio!  Estou com tanta saudade de ti. E tu?
            - Menina ou menino?
            - Sei lá. O que vier...
            - Um ou dois?
- Mesmo que venha uma dúzia... 

*O conto pertence ao livro "Vidas Nordestinas", no prelo.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O CRIME DO FRADE


OS TEMPOS MORTOS
Grijalva Maracajá Henriques*
Reportagem do passado
  O Crime do frade
Bica dos Milagres
SÉCULO XIX
1801
31 de Julho
Capital da Paraíba


            “Neste dia a população da Capital é alarmada pela notícia de um grande crime, commettido na madrugada deste mesmo dia.
            Em toda a cidade fallava-se e commentava- se, que na Bica dos Milagres, no sítio dos frades de S. Francisco, estava um cadáver de mulher entre as unhas de gato, arbusto ali muito abundante, farejado pelos urubus.
            Sabedora a policia, immediatamente foi ao dito lugar e effectivamente encontrou o cadáver, abrindo logo a devassa respectiva.
            Procedido o corpo de delicto evidenciou-se um crime e pelo reconhecimento, soube-se que a mulher chamava-se Thereza; tratou então a policia de descobrir o autor ou auctores de semelhante attentado.
            Corria na cidade que a dita mulher vivia em companhia de Fr. José Lopes, do Convento de S. Francisco, que como quase todos os frades de seu tempo, era corructo e atrevido.
            Neste ínterim, vai uma denuncia da existência de uma filha desta mulher que assistira o crime e estava em casa perto do Convento.
            O Juiz manda buscar a creança, enterroga-a, e pela sua confissão, apura-se o seguinte:
            Fr. José Lopes vivia effectivamente com a parda que já tinha tido esta filha de outro homem.
Um dia            , ou porque soubesse ou visse qualquer cousa, o frade enciumado até o extremo, resolveu acabar a vida de Thereza.
            Convidou-a para banhar-se na Bica acima citada e esta attendendo ao convite, la se fora com a sua filhinha Anna, de três para quatro annos, a meia noute, satisfazer o desejo do frade.
            Ali já se achava o preto escravo do convento, Francisco e um índio da Bahia da Traição, chamado José Ignacio.
O crime foi commettido em um momento, e é de tal barbaridade que faz arrepiar as carnes: introduziram na cavidade intra pubiana da mulher, um pão que a traspassou.
A creança atirada também viva nas unhas de gato, poude escapar e por este facto ficou conhecida por Anninha Rebollo.
O frade foi condemnado a prisão perpetua no Convento da Bahia onde acabou os seus dias, tendo igual sorte os seus comparsas nas cadeias desta Capital.

Encontrei sobre o facto os seguintes documentos:
Carta do Commissario Provincial dos Franciscanos, sobre a prisão de Fr. José Lopes. Convento de S. Antonio do Recife 30 de setembro de 1801. Fr. Luiz de Santo Antonio.
Carta do Provincial dos franciscanos em resposta a remessa que se lhe fez do Pe. Fr. José Lopes. Convento de S. Francisco da Cidade da Bahia aos 8 de março de 1802. Fr. Francisco de S. Rita.”
Copiado ipsis litteris.
            Esta história citada por Irineu Ferreira Pinto era relatada pela filha de Tereza, Aninha Rebolo até sua morte aos  quase noventa anos de vida.
            Essa velha fonte ainda existe, porém está encoberta no muro de uma residência à Rua Augusto Simões nº 59, antigo Beco dos Milagres.
Este foi um dos primeiros mananciais público (que se tem notícia) que serviu à população da Capital. A fonte era situada no sítio do Padre João Vaz Salem, primeiro vigário da freguesia de Nossa Senhora das Neves, onde fica hoje o Mosteiro de São Bento, fora doada aos mesmos no dia 19 de setembro de 1599. Posteriormente construíram um chafariz no Governo do presidente Frederico Carneiro da Cunha. Em 1848  foi construída uma fachada. Esta fonte era também conhecida como “Bica dos Milagres”. Possuía duas torneiras de bronze ladeadas por colunas de pedra.
Na antiga lápide ainda se lia a data de sua última restauração que datava de 1849.


Bibliografia:
Datas e Notas para a História da Parahyba por Irineu Ferreira Pinto, volume I – Imprensa Official – Parahyba do Norte 1908. P.219/221.
Sites:
[http://paraibanos.com/joaopessoa]
 http://www.cagepa.pb.gov.br/portal/?page_id=54

*O autor é historiador e pesquisador.